Na educação prática, ou
também denominada por Kant “educação moral”, ele a subdivide em: 1) habilidade; 2) prudência; e 3) moralidade.
Afirma ele:
No que toca à habilidade, requer-se que seja sólida e não passageira. Não se deve
mostrar ares de quem conhece algo que não se possa depois traduzir em ações. A
habilidade deve, antes de mais nada, ser bem fundada e tornar-se pouco a pouco
um hábito de pensar. É o elemento essencial do caráter de um homem. [...] A prudência consiste na arte de aplicar aos homens nossa habilidade, ou
seja, de nos servir dos demais para os nossos objetivos. Para isso são
necessárias muitas condições. A habilidade vem propriamente em último lugar no homem,
mas pelo seu valor fica em segundo. (Pedagogia,
p. 85, grifos do autor).
Com efeito, a habilidade requer certa
aparência externa para que se concretize, e ele a define como sendo uma arte. O
que pertence a essa arte é a dissimulação, isto é, esconder os próprios
defeitos e manter a aparência externa. A habilidade e a prudência pertencem, na
obra FMC, aos imperativos hipotéticos. “Os hipotéticos
representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar
qualquer outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira)”. (FMC, p. 50). Um exemplo para situar esse imperativo seria: quem tem
sua máquina estragada procura o melhor técnico para o seu conserto. Para o
imperativo hipotético da habilidade, em sendo problemático, seu fim é meramente
o que alguém deve querer.
Esse imperativo, Kant
exemplifica da seguinte maneira: Como não sabemos na primeira juventude quais
os fins que se nos depararão na vida, os pais procuram sobretudo mandar ensinar
aos filhos muitas coisas e tratarem de lhes transmitir a destreza no uso dos meios para toda a sorte de fins, de nenhum dos quais podem saber se de futuro se
transformará realmente numa intenção do seu educando, sendo entretanto possível
que venha a ter qualquer deles; e este cuidado é tão grande que por ele
descuram ordinariamente a tarefa de formar e corrigir o juízo dos filhos sobre
o valor das coisas que poderão vir a eleger como fins. (FMC, p. 51, grifos do autor).
E a prudência, por sua
vez, é vista por Kant como “a destreza na escolha dos meios para atingir o
maior bem-estar próprio”. (FMC, p. 52). Por exemplo, quem quer ter saúde
aceita tomar medicamentos. Kant salienta: Há no entanto uma finalidade da qual se pode dizer que todos os seres racionais a
perseguem realmente (enquanto lhes convêm imperativos, isto é como seres
dependentes), e portanto uma intenção que não só eles podem ter, mas de que deve admitir que têm na generalidade por uma
necessidade natural. Esta finalidade é a felicidade.
O imperativo hipotético que nos representa a necessidade prática da acção como meio
para fomentar a felicidade é assertórico.
(FMC, p. 51, grifos do autor).
Segundo Nodari, “enquanto
o fim é o que cada um naturalmente deve querer, a saber, a felicidade, o
imperativo é assertórico, isto é, um imperativo da prudência”. (2009, p. 191). A prudência é o fim que cada ser humano
procura. Logo, para Kant, ainda que a felicidade seja buscada por todos, mesmo
assim, ela não pode ser considerada o princípio moral. O imperativo referente à
ação moral só pode ser o categórico, o imperativo da moralidade.
A moralidade, para Kant, “diz
respeito ao caráter. [...] Se se quer formar um bom caráter, é preciso antes
domar as paixões. No que toca às suas tendências, o homem não deve deixá-las
tornarem-se paixões, antes deve aprender a privar-se um pouco quando algo lhe é
negado”. (Pedagogia, p. 86). As paixões são tão somente
sentimentalismo e, se for só isso, não fará bem para o educando. Os educadores
devem ensinar o educando, por meio de exemplos e regras, os deveres a cumprir,
tanto os para consigo mesmo, como também os deveres para com os demais, de modo
que se torne uma pessoa de bom caráter. Deve-se inculcar desde cedo nas
crianças o respeito e a atenção aos direitos humanos e procurar fazer com que
elas os ponham em prática. (Pedagogia, p. 90).
O mestre precisa orientar
seu educando às coisas boas e não às voltadas para si mesmo, mas à sociedade. “Convém
também orientar o jovem para a alegria e o bom humor. A alegria do coração
deriva da consciência tranquila, da igualdade de humor.” (Pedagogia, p. 106). Para Kant, o bom humor em sociedade também é algo que
contribui com a devida importância para a construção de um bom caráter. “O caráter
consiste no hábito de agir segundo certas máximas. Estas são, em princípio, as
da escola e, mais tarde, as da humanidade. Em princípio, a criança obedece às
leis.” (Pedagogia, p. 76). E a consolidação do caráter é visto,
por esse filósofo, como a etapa suprema.
A etapa suprema é a
consolidação do caráter. Consiste na resolução
firme de querer fazer algo e colocá-lo realmente em prática. [...] Se,
por exemplo, prometi algo a alguém, devo manter minha promessa, mesmo que isso
acarrete algum dano. Por que um homem que toma uma decisão, e não a cumpre, não
pode ter confiança em si mesmo. Se, por exemplo, tendo decidido alguém
levantar-se cedo todos os dias para estudar, ou para fazer qualquer outra
coisa, mesmo para passear, e depois não cumpre, escusando-se porque na
primavera faz muito frio de manhã e poderia lhe fazer mal, no verão é gostoso
dormir e gosta demais de dormir e adia sempre a decisão, acaba por perder toda confiança
em si mesmo. (Pedagogia, p. 84).
Para se formar um bom
caráter é preciso ensinar às crianças “através de exemplos e com regras, os
deveres a cumprir”. (Pedagogia, p. 89). Os deveres para consigo mesmas “consistem
em conservar uma certa dignidade interior, a qual faz o homem a criatura mais
nobre de todas; é seu dever não renegar em sua própria pessoa essa dignidade da
natureza humana”. (Pedagogia, p. 89).
Entende Kant, que: deve-se
orientar o jovem à humanidade no trato com os outros, aos sentimentos
cosmopolitas. Em nossa alma há qualquer coisa que chamamos de interesse: 1. por
nós próprios; 2. por aqueles que conosco cresceram; e por fim, 3. pelo bem
universal. É preciso fazer os jovens conhecerem esse interesse para que eles
possam por ele se animar. Eles devem alegrar-se pelo bem geral mesmo que não
seja vantajoso para a pátria, ou para si mesmos. (Pedagogia, p. 106).
A bem da verdade, a
função da educação é tornar o ser humano um ser esclarecido e autônomo que
pense por si, sem depender de outros, por suas próprias máximas. Pensar por si
é tornar-se autônomo em suas ações, é a capacidade de se dar leis.
Pinheiro argumenta que a
autonomia dá ao homem a possibilidade de representar a lei para si mesmo. Ao
mesmo tempo que dá a si próprio a lei, portanto autonomamente, o homem descobre
seu valor. Como pessoa, como ser racional, o homem age sempre em vista de um
fim, e a vontade, para que seja boa, deve agir por dever, independentemente dos
prazeres e interesses. Não é possível, diz Kant, “conceber coisa alguma no
mundo, ou mesmo fora do mundo, que sem restrições possa ser considerada boa, a
não ser uma só: uma Boa Vontade”. A consciência humana tem por moralmente boa,
e isso sem restrições, a boa vontade. (2007, p.116, grifo do autor).
Artigo: Esclarecimento,
educação
e autonomia
em Kant de Paulo
César Nodari
Fernando Saugo. Conjectura, v.
16, n. 1, jan./abr. 2011