sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Educação moral


Na educação prática, ou também denominada por Kant “educação moral”, ele a subdivide em: 1) habilidade; 2) prudência; e 3) moralidade. Afirma ele:

No que toca à habilidade, requer-se que seja sólida e não passageira. Não se deve mostrar ares de quem conhece algo que não se possa depois traduzir em ações. A habilidade deve, antes de mais nada, ser bem fundada e tornar-se pouco a pouco um hábito de pensar. É o elemento essencial do caráter de um homem. [...] A prudência consiste na arte de aplicar aos homens nossa habilidade, ou seja, de nos servir dos demais para os nossos objetivos. Para isso são necessárias muitas condições. A habilidade vem propriamente em último lugar no homem, mas pelo seu valor fica em segundo. (Pedagogia, p. 85, grifos do autor).
 Com efeito, a habilidade requer certa aparência externa para que se concretize, e ele a define como sendo uma arte. O que pertence a essa arte é a dissimulação, isto é, esconder os próprios defeitos e manter a aparência externa. A habilidade e a prudência pertencem, na obra FMC, aos imperativos hipotéticos. “Os hipotéticos representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar qualquer outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira)”. (FMC, p. 50). Um exemplo para situar esse imperativo seria: quem tem sua máquina estragada procura o melhor técnico para o seu conserto. Para o imperativo hipotético da habilidade, em sendo problemático, seu fim é meramente o que alguém deve querer.
Esse imperativo, Kant exemplifica da seguinte maneira: Como não sabemos na primeira juventude quais os fins que se nos depararão na vida, os pais procuram sobretudo mandar ensinar aos filhos muitas coisas e tratarem de lhes transmitir a destreza no uso dos meios para toda a sorte de fins, de nenhum dos quais podem saber se de futuro se transformará realmente numa intenção do seu educando, sendo entretanto possível que venha a ter qualquer deles; e este cuidado é tão grande que por ele descuram ordinariamente a tarefa de formar e corrigir o juízo dos filhos sobre o valor das coisas que poderão vir a eleger como fins. (FMC, p. 51, grifos do autor).
E a prudência, por sua vez, é vista por Kant como “a destreza na escolha dos meios para atingir o maior bem-estar próprio”. (FMC, p. 52). Por exemplo, quem quer ter saúde aceita tomar medicamentos. Kant salienta: Há no entanto uma finalidade da qual se pode dizer que todos os seres racionais a perseguem realmente (enquanto lhes convêm imperativos, isto é como seres dependentes), e portanto uma intenção que não só eles podem ter, mas de que deve admitir que têm na generalidade por uma necessidade natural. Esta finalidade é a felicidade. O imperativo hipotético que nos representa a necessidade prática da acção como meio para fomentar a felicidade é assertórico. (FMC, p. 51, grifos do autor).
Segundo Nodari, “enquanto o fim é o que cada um naturalmente deve querer, a saber, a felicidade, o imperativo é assertórico, isto é, um imperativo da prudência”. (2009, p. 191). A prudência é o fim que cada ser humano procura. Logo, para Kant, ainda que a felicidade seja buscada por todos, mesmo assim, ela não pode ser considerada o princípio moral. O imperativo referente à ação moral só pode ser o categórico, o imperativo da moralidade.
A moralidade, para Kant, “diz respeito ao caráter. [...] Se se quer formar um bom caráter, é preciso antes domar as paixões. No que toca às suas tendências, o homem não deve deixá-las tornarem-se paixões, antes deve aprender a privar-se um pouco quando algo lhe é negado”. (Pedagogia, p. 86). As paixões são tão somente sentimentalismo e, se for só isso, não fará bem para o educando. Os educadores devem ensinar o educando, por meio de exemplos e regras, os deveres a cumprir, tanto os para consigo mesmo, como também os deveres para com os demais, de modo que se torne uma pessoa de bom caráter. Deve-se inculcar desde cedo nas crianças o respeito e a atenção aos direitos humanos e procurar fazer com que elas os ponham em prática. (Pedagogia, p. 90).
O mestre precisa orientar seu educando às coisas boas e não às voltadas para si mesmo, mas à sociedade. “Convém também orientar o jovem para a alegria e o bom humor. A alegria do coração deriva da consciência tranquila, da igualdade de humor.” (Pedagogia, p. 106). Para Kant, o bom humor em sociedade também é algo que contribui com a devida importância para a construção de um bom caráter. “O caráter consiste no hábito de agir segundo certas máximas. Estas são, em princípio, as da escola e, mais tarde, as da humanidade. Em princípio, a criança obedece às leis.” (Pedagogia, p. 76). E a consolidação do caráter é visto, por esse filósofo, como a etapa suprema.
A etapa suprema é a consolidação do caráter. Consiste na resolução  firme de querer fazer algo e colocá-lo realmente em prática. [...] Se, por exemplo, prometi algo a alguém, devo manter minha promessa, mesmo que isso acarrete algum dano. Por que um homem que toma uma decisão, e não a cumpre, não pode ter confiança em si mesmo. Se, por exemplo, tendo decidido alguém levantar-se cedo todos os dias para estudar, ou para fazer qualquer outra coisa, mesmo para passear, e depois não cumpre, escusando-se porque na primavera faz muito frio de manhã e poderia lhe fazer mal, no verão é gostoso dormir e gosta demais de dormir e adia sempre a decisão, acaba por perder toda confiança em si mesmo. (Pedagogia, p. 84).
Para se formar um bom caráter é preciso ensinar às crianças “através de exemplos e com regras, os deveres a cumprir”. (Pedagogia, p. 89). Os deveres para consigo mesmas “consistem em conservar uma certa dignidade interior, a qual faz o homem a criatura mais nobre de todas; é seu dever não renegar em sua própria pessoa essa dignidade da natureza humana”. (Pedagogia, p. 89).
Entende Kant, que: deve-se orientar o jovem à humanidade no trato com os outros, aos sentimentos cosmopolitas. Em nossa alma há qualquer coisa que chamamos de interesse: 1. por nós próprios; 2. por aqueles que conosco cresceram; e por fim, 3. pelo bem universal. É preciso fazer os jovens conhecerem esse interesse para que eles possam por ele se animar. Eles devem alegrar-se pelo bem geral mesmo que não seja vantajoso para a pátria, ou para si mesmos. (Pedagogia, p. 106).
A bem da verdade, a função da educação é tornar o ser humano um ser esclarecido e autônomo que pense por si, sem depender de outros, por suas próprias máximas. Pensar por si é tornar-se autônomo em suas ações, é a capacidade de se dar leis.
Pinheiro argumenta que a autonomia dá ao homem a possibilidade de representar a lei para si mesmo. Ao mesmo tempo que dá a si próprio a lei, portanto autonomamente, o homem descobre seu valor. Como pessoa, como ser racional, o homem age sempre em vista de um fim, e a vontade, para que seja boa, deve agir por dever, independentemente dos prazeres e interesses. Não é possível, diz Kant, “conceber coisa alguma no mundo, ou mesmo fora do mundo, que sem restrições possa ser considerada boa, a não ser uma só: uma Boa Vontade”. A consciência humana tem por moralmente boa, e isso sem restrições, a boa vontade. (2007, p.116, grifo do autor).

Artigo: Esclarecimento, educação
e autonomia em Kant  de Paulo César Nodari
Fernando Saugo. Conjectura, v. 16, n. 1, jan./abr. 2011

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