sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Paulo Freire e a reflexão na formação continuada de professores

Paulo Freire possui uma produção acadêmica e literária muito vasta. No entanto, com a realização da pesquisa exploratória com os especialistas do Centro Paulo Freire Estudos e Pesquisas, foi possível identificar as obras onde Freire explicita e sistematiza o conceito de reflexão. As obras identificadas foram: A educação na cidade (FREIRE, 1991); Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo (FREIRE, 1978); Educação como prática para liberdade (FREIRE, 1989); Educação e mudança (FREIRE, 1984); Medo e ousadia (FREIRE, 1986); Pedagogia da autonomia (FREIRE, 2001); Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2002); Política e educação (FREIRE, 1997); Que fazer: teoria e prática em educação popular (FREIRE, 1993).
O estudo apontou que o conceito de reflexão é um tema que perpassa grande parte das obras de Paulo Freire. Abaixo, apresentamos alguns fragmentos onde Freire explicita e sistematiza o conceito de reflexão. São eles:
O que teríamos que fazer, então, seria, como diz Paul Legrand, ajudar o homem a organizar reflexivamente o pensamento. Colocar, como diz Legrand, um novo termo entre o compreender e o atuar: o pensar. (FREIRE, 1984 p. 67-68).
Quando a prática é tomada como curiosidade, então essa prática vai despertar horizontes de possibilidades. [...] Esse procedimento faz com a que a prática se dê a uma reflexão e crítica. (FREIRE, 1993 p. 40).
O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. (FREIRE, 2001 p. 43).
A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. (FREIRE, 2001 p. 42-43).
Por isso é que na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. (FREIRE, 2001 p.43).
A partir dos fragmentos acima expostos é possível dizer que para Freire, a reflexão é o movimento realizado entre o fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no “pensar para o fazer” e no “pensar sobre o fazer”. Nesta direção, a reflexão surge da curiosidade sobre a prática docente. Essa curiosidade inicialmente é ingênua. No entanto, com o exercício constante, a curiosidade vai se transformando em crítica. Desta forma, a reflexão crítica permanente deve constituir-se como orientação prioritária para a formação continuada dos professores que buscam a transformação através de sua prática educativa.
Com base nessa compreensão, ao conceito de reflexão, Freire acrescenta duas novas categorias: (1) a crítica e (2) a formação permanente.
Segundo Freire (2001), a crítica é a curiosidade epistemológica, resultante da transformação da curiosidade ingênua, que criticizar-se. Corroborando com essa idéia Freire afirma:
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fizemos.(2001 p.53).
A idéia de formação permanente no pensamento de Freire é resultado do conceito da “condição de inacabamento do ser humano e consciência desse inacabamento”. Segundo Freire (2002), o homem é um ser inconcluso e deve ser consciente de sua inconclusão, através do movimento permanente de ser mais:
A educação é permanente não por que certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de uma lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de finitude. Mas ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. (FREIRE, 1997 p. 20).
Desta forma, não basta refletir sobre a prática pedagógica docente, é preciso refletir criticamente e de modo permanente. Este processo precisa estar apoiado em uma análise emancipatório-política, para que os professores em formação possam visualizar as operações de reflexão no seu contexto sócio-político-econômico-cultural mais amplo.


REFLEXÃO, CRÍTICA E EDUCAÇÃO PERMANENTE: CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO FREIREANO PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
A partir do pensamento de Freire, a formação continuada é concebida como um processo contínuo e permanente de desenvolvimento profissional do professor, onde a formação inicial e continuada é concebida de forma interarticulada, em que a primeira corresponde ao período de aprendizado nas instituições formadoras e a segunda diz respeito à aprendizagem dos professores que estejam no exercício da profissão, mediante ações dentro e fora das escolas, denominado pelo Ministério da Educação (MEC), de formação permanente (SEF, 1999).
Nesta concepção, a formação continuada de professores, deve incentivar a apropriação dos saberes  pelos professores, rumo à autonomia, e levar a uma prática crítico-reflexiva, abrangendo a vida cotidiana da escola e os saberes derivados da experiência docente. Assim, o conceito de formação continuada de professores deve contemplar de forma interligada:
(1) a socialização do conhecimento produzido pela humanidade; (2) as diferentes áreas de atuação; (3) a relação ação-reflexão-ação; (4) o envolvimento do professor em planos sistemáticos de estudo individual ou coletivo; (5) as necessidades concretas da escola e dos seus profissionais; (6) a valorização da experiência do profissional. Mas, também: (7) a continuidade e a amplitude das ações empreendidas; (8) a explicitação das diferentes políticas para a educação pública; (9) o compromisso com a mudança; (10) o trabalho coletivo; (11) a associação com a pesquisa científica desenvolvida em diferentes campos do saber”. (ALVES, 1995 apud CARVALHO e SIMÕES, 1999 p.4).
Desta maneira, o espaço de formação do professor será a escola e o conteúdo dessa formação a sua prática educativa. O professor reflexivo será “um investigador da sala de aula, formula suas estratégias e reconstrói a sua ação pedagógica” (ALMEIDA, 2002 p.28), pois como afirma Silva (2002 p.28), “a prática transforma-se em fonte de investigação, de experimentação e de indicação de conteúdo para a formação”.
Isso significa que o processo formativo deverá propor situações que possibilitem a troca dos saberes entre os professores, através de projetos articulados de reflexão conjunta. Para tanto, são indicados como metodologia para formação, os seguintes dispositivos: o estudo compartilhado; o planejamento e o desenvolvimento de ações conjuntas; estratégias de reflexão da prática; análise de situações didáticas; entre outros.
Nesta mesma perspectiva, o processo de aprendizagem dos professores será concebido como a construção de conhecimento pelo sujeito, que além de outras teses, compartilha, principalmente, dos princípios do modelo piagetiano de aprendizagem, sistematizado através da Teoria Psicogenética.
Desta forma, a teoria cognitivista, no campo da formação continuada de professores, salienta a necessidade de desenvolver capacidades metacognitivas e de fomentar a capacidade de aprender a aprender.
Segundo García (1999), a recente linha de investigação sobre a aprendizagem do professor ensinou-nos que os professores não são técnicos que executam instruções e propostas elaboradas por especialistas. Cada vez mais se assume que o professor é um construtivista, que processa informação, toma decisões, gera conhecimento prático, possui crenças e rotinas, que influenciam a sua atividade profissional.“Considera-se o professor com ‘um sujeito epistemológico’, capaz de gerar e contrastar teorias sobre a sua prática” (GARCÍA, 1999 p. 47).
Corroborando com essa idéia, Freire (2002 p.68) afirma: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.
Nesta direção, é preciso defender um processo de formação de professores em que as escolas sejam concebidas como uma instituição essencial para o desenvolvimento de uma democracia crítica e também para a defesa dos professores como intelectuais que combinam a reflexão e a prática, a serviço da educação dos estudantes para que sejam cidadãos reflexivos e ativos (GIROUX, 1997).

Fonte: 
http://www.paulofreire.org.br/pdf/comunicacoes_orais/REFLEX%C3%83O%20EM%20PAULO%20FREIREUMA%20CONTRIBUI%C3%87%C3%83O%20PARA%20A%20FORMA%C3%87%C3%83O%20CONTINUADA%20DE%20PROFESSORES.pdf, parte do artigo, de mesmo título, apresentado no V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22 de setembro de 2005.

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