quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A motivação dos estudantes: Podemos vencer esse desafio?

Profa. Dra. Sueli Édi Rufini Guimarães - Universidade Estadual de Londrina


Profa. Dra. Evely Boruchovitch - Faculdade de Educação - UNICAMP



Existe um relativo consenso entre os educadores sobre qual é o principal problema dos alunos na escola: a falta de interesse. Em relação ao ensino fundamental e médio, a dificuldade de envolver os alunos nas atividades de aprendizagem, levá-los a persistir nas tarefas desafiadoras, em suma, a valorizarem a educação, tem sido relatada em artigos, livros e entrevistas. Parece que, para alguns estudantes, não é claro o porquê de estudar. Desse modo, é alimentada uma esperança de que, quando estiverem mais maduros e então puderem optar por uma área do conhecimento de seu interesse, sua motivação em relação a aprendizagem se modifique positivamente. Quem sabe, então, no ensino superior possamos encontrar alunos mais envolvidos! Essa expectativa parece não se confirmar. As impressões dos professores acerca do envolvimento dos universitários em muitas disciplinas de seus cursos também indicam desmotivação. Para exemplificar, em nosso cotidiano de trabalho em diversos cursos de licenciatura encontramos nas salas de aula alunos apáticos, com a atenção aparentemente voltada para aspectos não relacionados com os conteúdos ali abordados, esforçando-se ou comparecendo o mínimo necessário para garantir sua aprovação na disciplina. Perguntas como: "quantas faltas eu tenho?", "posso checar minhas notas nos últimos bimestres?", seguidas por um evidente alívio em pensar que poderão faltar ainda mais ou que não será necessário muito esforço para aprovação, caracterizam esse tipo de envolvimento. Também estão presentes nas classes alunos extremamente preocupados com notas, aprovação ou em serem reconhecidos como capazes pelos professores e colegas. Esforçam-se muito nos dias que antecedem as avaliações, muitas vezes não confessando o empenho despendido. Consideram um resultado como sendo sucesso somente depois de se certificarem que superaram o desempenho dos colegas. Relutam em assumir atividades que acenem com riscos de fracasso ou que possam denunciar uma possível falta de capacidade. Compartilhando o espaço com os primeiros, temos alunos realmente preocupados em aprender, em aprofundar o nível de conhecimentos e em adquirir novas habilidades. Estes estudantes parecem naturalmente motivados, envolvem-se ativamente nas tarefas propostas, esforçam-se e usam estratégias de aprendizagem adequadas, sem demonstrarem preocupações excessivas com os resultados. Talvez você conheça alguns estudantes com essas características e já tenha se questionado sobre o que efetivamente poderia ser feito para que eles desejassem aprender. O tema motivação e aprendizagem tem sido objeto de investigação dos psicólogos educacionais nos últimos anos e o problema da falta de motivação dos estudantes representa um dos maiores desafios à eficácia do ensino. Alguns determinantes da motivação escolar já são conhecidos e podem auxiliar o trabalho do professor que pretenda ver seus alunos genuinamente envolvidos. Nesta área de conhecimentos, a linha de estudos sobre metas de realização compreende a motivação como sendo resultado da fixação de metas, ou seja, cada meta representa um núcleo de pensamento que reúne modos particulares de perceber a situação, processar as informações, podendo explicar os comportamentos, a direção e a intensidade do esforço. No ambiente escolar, os estudantes podem buscar ou adotar uma variedade de metas, algumas compatíveis com a aprendizagem e desempenho e outras contrárias. Por exemplo, as metas sociais, fazer amigos, ser bem aceito ou popular; as metas de aprendizagem, obter conhecimentos, buscar níveis mais profundos de aprendizagem; as metas ego ou de performance, ser reconhecido como o melhor, o mais capaz ou, pelo menos, ocultar uma possível falta de capacidade. Além dessas, fatos distantes da sala de aula podem ser selecionados como meta dos alunos (um grupo musical, um time de futebol, jogos de computadores) e, muitas vezes, temos que competir com elas. Neste último caso, rotulada como meta de alienação acadêmica, o foco de interesse pode estar completamente desvinculado dos assuntos ou atividades planejados pelo professor. Mais importante do que reconhecermos nos nossos alunos tais padrões motivacionais, os estudos sobre as metas podem auxiliar na compreensão dos fatores que incentivam a adoção de uma determinada orientação. Um importante aspecto a ser considerado relaciona-se com a estrutura de meta ou clima de sala de aula criado, sobretudo, em decorrência das diferentes ações do professor. As estruturas de meta referem-se aos objetivos assinalados e aos padrões comportamentais valorizados em sala de aula, transmitidas aos alunos de modo implícito ou explícito por meio das diversas ações do professor como, por exemplo, as características das atividades solicitadas, as formas de avaliação, de reconhecimento dos interesses e necessidades dos estudantes, os critérios para formação de grupos, o uso do tempo e o modo como o professor compartilha a autoridade. Tais estruturas influenciam as metas adotadas pelos alunos em relação à escola, aos trabalhos escolares e, de modo geral, em relação a sua educação. Em extremos opostos, no quadro abaixo são apresentados alguns exemplos de ações que podem promover o prejudicar a motivação dos estudantes. Promoção Ação Prejuízo Assunto interessante, relevante e desafiador Apresentação de novo conteúdo Faz parte do programa, vai ser avaliado Oportunidade para ampliar conhecimentos, é desafiadora, passível de realização com algum esforço Proposta de atividade Vamos ver quem consegue concluí-la, quem se sairá melhor, o tempo é escasso, ela é muito difícil, ou é muito fácil Faz parte do processo de ensino e aprendizagem, possibilita informações sobre o progresso ou dificuldades a serem superadas Expectativas em relação às avaliações É fonte de pressão e de controle Proporcionam informações sobre o progresso individual Os resultados de desempenho: são apresentados como um produto final, favorecendo a comparação entre os alunos São muitos os aspectos abordados pelos estudos sobre a motivação no contexto escolar que podem auxiliar o professor a compreender os problemas e a agir de modo efetivo para superá-los. No entanto, podemos ter como meta para esta reduzida apresentação uma análise sobre o nosso papel na determinação daquelas características dos estudantes, em relação à aprendizagem, que tanto nos incomodam. O envolvimento dos estudantes com os conteúdos de nossa disciplinas decorrem, em parte, das nossas ações nesse complexo ambiente em que se configura a sala de aula. Referências bibligráficas Ames, C. (1992). Classroom: Goals, structures, and student motivation. Journal of Educational Psychology, 84(3), 261-271. Bzuneck, J. A. (2001). A motivação do aluno orientado a metas de realização. Em: E. Boruchovith & J. A. Bzuneck (Orgs.), A motivação do aluno: Contribuições da Psicologia contemporânea (pp. 58-77). Petrópolis: Vozes. Csikszentmihalyi, M. (1992). A psicologia da felicidade. São Paulo: Saraiva. Guimarães, S. É. R. (2001). A organização da escola e da sala de aula como determinate da motivação intrínseca e da meta aprender. Em: E. Boruchovith & J. A. Bzuneck (Orgs.), A motivação do aluno: Contribuições da psicologia contemporânea (pp.78-95). Petrópolis: Vozes. Ryan, R. M. & Stiller, J. (1991). The social contexts of internalization: parent and teacher influences on autonomy, motivation, and learning. Em: C. Ames & R. Ames (Orgs.), Advances in Motivation and Achievement (pp. 115-149). Connecticut: Jai Press Inc. Stipek, D. J. (1998). Motivation to learn: From theory to pratice. Englewood Cliffs: Prentice-Hall



http://www.pedagobrasil.com.br/psicologia/amotivacao.htm



sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Paulo Freire e a reflexão na formação continuada de professores

Paulo Freire possui uma produção acadêmica e literária muito vasta. No entanto, com a realização da pesquisa exploratória com os especialistas do Centro Paulo Freire Estudos e Pesquisas, foi possível identificar as obras onde Freire explicita e sistematiza o conceito de reflexão. As obras identificadas foram: A educação na cidade (FREIRE, 1991); Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo (FREIRE, 1978); Educação como prática para liberdade (FREIRE, 1989); Educação e mudança (FREIRE, 1984); Medo e ousadia (FREIRE, 1986); Pedagogia da autonomia (FREIRE, 2001); Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2002); Política e educação (FREIRE, 1997); Que fazer: teoria e prática em educação popular (FREIRE, 1993).
O estudo apontou que o conceito de reflexão é um tema que perpassa grande parte das obras de Paulo Freire. Abaixo, apresentamos alguns fragmentos onde Freire explicita e sistematiza o conceito de reflexão. São eles:
O que teríamos que fazer, então, seria, como diz Paul Legrand, ajudar o homem a organizar reflexivamente o pensamento. Colocar, como diz Legrand, um novo termo entre o compreender e o atuar: o pensar. (FREIRE, 1984 p. 67-68).
Quando a prática é tomada como curiosidade, então essa prática vai despertar horizontes de possibilidades. [...] Esse procedimento faz com a que a prática se dê a uma reflexão e crítica. (FREIRE, 1993 p. 40).
O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. (FREIRE, 2001 p. 43).
A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. (FREIRE, 2001 p. 42-43).
Por isso é que na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. (FREIRE, 2001 p.43).
A partir dos fragmentos acima expostos é possível dizer que para Freire, a reflexão é o movimento realizado entre o fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no “pensar para o fazer” e no “pensar sobre o fazer”. Nesta direção, a reflexão surge da curiosidade sobre a prática docente. Essa curiosidade inicialmente é ingênua. No entanto, com o exercício constante, a curiosidade vai se transformando em crítica. Desta forma, a reflexão crítica permanente deve constituir-se como orientação prioritária para a formação continuada dos professores que buscam a transformação através de sua prática educativa.
Com base nessa compreensão, ao conceito de reflexão, Freire acrescenta duas novas categorias: (1) a crítica e (2) a formação permanente.
Segundo Freire (2001), a crítica é a curiosidade epistemológica, resultante da transformação da curiosidade ingênua, que criticizar-se. Corroborando com essa idéia Freire afirma:
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fizemos.(2001 p.53).
A idéia de formação permanente no pensamento de Freire é resultado do conceito da “condição de inacabamento do ser humano e consciência desse inacabamento”. Segundo Freire (2002), o homem é um ser inconcluso e deve ser consciente de sua inconclusão, através do movimento permanente de ser mais:
A educação é permanente não por que certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de uma lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de finitude. Mas ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. (FREIRE, 1997 p. 20).
Desta forma, não basta refletir sobre a prática pedagógica docente, é preciso refletir criticamente e de modo permanente. Este processo precisa estar apoiado em uma análise emancipatório-política, para que os professores em formação possam visualizar as operações de reflexão no seu contexto sócio-político-econômico-cultural mais amplo.


REFLEXÃO, CRÍTICA E EDUCAÇÃO PERMANENTE: CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO FREIREANO PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
A partir do pensamento de Freire, a formação continuada é concebida como um processo contínuo e permanente de desenvolvimento profissional do professor, onde a formação inicial e continuada é concebida de forma interarticulada, em que a primeira corresponde ao período de aprendizado nas instituições formadoras e a segunda diz respeito à aprendizagem dos professores que estejam no exercício da profissão, mediante ações dentro e fora das escolas, denominado pelo Ministério da Educação (MEC), de formação permanente (SEF, 1999).
Nesta concepção, a formação continuada de professores, deve incentivar a apropriação dos saberes  pelos professores, rumo à autonomia, e levar a uma prática crítico-reflexiva, abrangendo a vida cotidiana da escola e os saberes derivados da experiência docente. Assim, o conceito de formação continuada de professores deve contemplar de forma interligada:
(1) a socialização do conhecimento produzido pela humanidade; (2) as diferentes áreas de atuação; (3) a relação ação-reflexão-ação; (4) o envolvimento do professor em planos sistemáticos de estudo individual ou coletivo; (5) as necessidades concretas da escola e dos seus profissionais; (6) a valorização da experiência do profissional. Mas, também: (7) a continuidade e a amplitude das ações empreendidas; (8) a explicitação das diferentes políticas para a educação pública; (9) o compromisso com a mudança; (10) o trabalho coletivo; (11) a associação com a pesquisa científica desenvolvida em diferentes campos do saber”. (ALVES, 1995 apud CARVALHO e SIMÕES, 1999 p.4).
Desta maneira, o espaço de formação do professor será a escola e o conteúdo dessa formação a sua prática educativa. O professor reflexivo será “um investigador da sala de aula, formula suas estratégias e reconstrói a sua ação pedagógica” (ALMEIDA, 2002 p.28), pois como afirma Silva (2002 p.28), “a prática transforma-se em fonte de investigação, de experimentação e de indicação de conteúdo para a formação”.
Isso significa que o processo formativo deverá propor situações que possibilitem a troca dos saberes entre os professores, através de projetos articulados de reflexão conjunta. Para tanto, são indicados como metodologia para formação, os seguintes dispositivos: o estudo compartilhado; o planejamento e o desenvolvimento de ações conjuntas; estratégias de reflexão da prática; análise de situações didáticas; entre outros.
Nesta mesma perspectiva, o processo de aprendizagem dos professores será concebido como a construção de conhecimento pelo sujeito, que além de outras teses, compartilha, principalmente, dos princípios do modelo piagetiano de aprendizagem, sistematizado através da Teoria Psicogenética.
Desta forma, a teoria cognitivista, no campo da formação continuada de professores, salienta a necessidade de desenvolver capacidades metacognitivas e de fomentar a capacidade de aprender a aprender.
Segundo García (1999), a recente linha de investigação sobre a aprendizagem do professor ensinou-nos que os professores não são técnicos que executam instruções e propostas elaboradas por especialistas. Cada vez mais se assume que o professor é um construtivista, que processa informação, toma decisões, gera conhecimento prático, possui crenças e rotinas, que influenciam a sua atividade profissional.“Considera-se o professor com ‘um sujeito epistemológico’, capaz de gerar e contrastar teorias sobre a sua prática” (GARCÍA, 1999 p. 47).
Corroborando com essa idéia, Freire (2002 p.68) afirma: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.
Nesta direção, é preciso defender um processo de formação de professores em que as escolas sejam concebidas como uma instituição essencial para o desenvolvimento de uma democracia crítica e também para a defesa dos professores como intelectuais que combinam a reflexão e a prática, a serviço da educação dos estudantes para que sejam cidadãos reflexivos e ativos (GIROUX, 1997).

Fonte: 
http://www.paulofreire.org.br/pdf/comunicacoes_orais/REFLEX%C3%83O%20EM%20PAULO%20FREIREUMA%20CONTRIBUI%C3%87%C3%83O%20PARA%20A%20FORMA%C3%87%C3%83O%20CONTINUADA%20DE%20PROFESSORES.pdf, parte do artigo, de mesmo título, apresentado no V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22 de setembro de 2005.

Paulo Freire e a reflexão na formação continuada de professores

Paulo Freire possui uma produção acadêmica e literária muito vasta. No entanto, com a realização da pesquisa exploratória com os especialistas do Centro Paulo Freire Estudos e Pesquisas, foi possível identificar as obras onde Freire explicita e sistematiza o conceito de reflexão. As obras identificadas foram: A educação na cidade (FREIRE, 1991); Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo (FREIRE, 1978); Educação como prática para liberdade (FREIRE, 1989); Educação e mudança (FREIRE, 1984); Medo e ousadia (FREIRE, 1986); Pedagogia da autonomia (FREIRE, 2001); Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2002); Política e educação (FREIRE, 1997); Que fazer: teoria e prática em educação popular (FREIRE, 1993).
O estudo apontou que o conceito de reflexão é um tema que perpassa grande parte das obras de Paulo Freire. Abaixo, apresentamos alguns fragmentos onde Freire explicita e sistematiza o conceito de reflexão. São eles:
O que teríamos que fazer, então, seria, como diz Paul Legrand, ajudar o homem a organizar reflexivamente o pensamento. Colocar, como diz Legrand, um novo termo entre o compreender e o atuar: o pensar. (FREIRE, 1984 p. 67-68).
Quando a prática é tomada como curiosidade, então essa prática vai despertar horizontes de possibilidades. [...] Esse procedimento faz com a que a prática se dê a uma reflexão e crítica. (FREIRE, 1993 p. 40).
O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. (FREIRE, 2001 p. 43).
A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. (FREIRE, 2001 p. 42-43).
Por isso é que na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. (FREIRE, 2001 p.43).
A partir dos fragmentos acima expostos é possível dizer que para Freire, a reflexão é o movimento realizado entre o fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no “pensar para o fazer” e no “pensar sobre o fazer”. Nesta direção, a reflexão surge da curiosidade sobre a prática docente. Essa curiosidade inicialmente é ingênua. No entanto, com o exercício constante, a curiosidade vai se transformando em crítica. Desta forma, a reflexão crítica permanente deve constituir-se como orientação prioritária para a formação continuada dos professores que buscam a transformação através de sua prática educativa.
Com base nessa compreensão, ao conceito de reflexão, Freire acrescenta duas novas categorias: (1) a crítica e (2) a formação permanente.
Segundo Freire (2001), a crítica é a curiosidade epistemológica, resultante da transformação da curiosidade ingênua, que criticizar-se. Corroborando com essa idéia Freire afirma:
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fizemos.(2001 p.53).
A idéia de formação permanente no pensamento de Freire é resultado do conceito da “condição de inacabamento do ser humano e consciência desse inacabamento”. Segundo Freire (2002), o homem é um ser inconcluso e deve ser consciente de sua inconclusão, através do movimento permanente de ser mais:
A educação é permanente não por que certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de uma lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de finitude. Mas ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. (FREIRE, 1997 p. 20).
Desta forma, não basta refletir sobre a prática pedagógica docente, é preciso refletir criticamente e de modo permanente. Este processo precisa estar apoiado em uma análise emancipatório-política, para que os professores em formação possam visualizar as operações de reflexão no seu contexto sócio-político-econômico-cultural mais amplo.


REFLEXÃO, CRÍTICA E EDUCAÇÃO PERMANENTE: CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO FREIREANO PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
A partir do pensamento de Freire, a formação continuada é concebida como um processo contínuo e permanente de desenvolvimento profissional do professor, onde a formação inicial e continuada é concebida de forma interarticulada, em que a primeira corresponde ao período de aprendizado nas instituições formadoras e a segunda diz respeito à aprendizagem dos professores que estejam no exercício da profissão, mediante ações dentro e fora das escolas, denominado pelo Ministério da Educação (MEC), de formação permanente (SEF, 1999).
Nesta concepção, a formação continuada de professores, deve incentivar a apropriação dos saberes  pelos professores, rumo à autonomia, e levar a uma prática crítico-reflexiva, abrangendo a vida cotidiana da escola e os saberes derivados da experiência docente. Assim, o conceito de formação continuada de professores deve contemplar de forma interligada:
(1) a socialização do conhecimento produzido pela humanidade; (2) as diferentes áreas de atuação; (3) a relação ação-reflexão-ação; (4) o envolvimento do professor em planos sistemáticos de estudo individual ou coletivo; (5) as necessidades concretas da escola e dos seus profissionais; (6) a valorização da experiência do profissional. Mas, também: (7) a continuidade e a amplitude das ações empreendidas; (8) a explicitação das diferentes políticas para a educação pública; (9) o compromisso com a mudança; (10) o trabalho coletivo; (11) a associação com a pesquisa científica desenvolvida em diferentes campos do saber”. (ALVES, 1995 apud CARVALHO e SIMÕES, 1999 p.4).
Desta maneira, o espaço de formação do professor será a escola e o conteúdo dessa formação a sua prática educativa. O professor reflexivo será “um investigador da sala de aula, formula suas estratégias e reconstrói a sua ação pedagógica” (ALMEIDA, 2002 p.28), pois como afirma Silva (2002 p.28), “a prática transforma-se em fonte de investigação, de experimentação e de indicação de conteúdo para a formação”.
Isso significa que o processo formativo deverá propor situações que possibilitem a troca dos saberes entre os professores, através de projetos articulados de reflexão conjunta. Para tanto, são indicados como metodologia para formação, os seguintes dispositivos: o estudo compartilhado; o planejamento e o desenvolvimento de ações conjuntas; estratégias de reflexão da prática; análise de situações didáticas; entre outros.
Nesta mesma perspectiva, o processo de aprendizagem dos professores será concebido como a construção de conhecimento pelo sujeito, que além de outras teses, compartilha, principalmente, dos princípios do modelo piagetiano de aprendizagem, sistematizado através da Teoria Psicogenética.
Desta forma, a teoria cognitivista, no campo da formação continuada de professores, salienta a necessidade de desenvolver capacidades metacognitivas e de fomentar a capacidade de aprender a aprender.
Segundo García (1999), a recente linha de investigação sobre a aprendizagem do professor ensinou-nos que os professores não são técnicos que executam instruções e propostas elaboradas por especialistas. Cada vez mais se assume que o professor é um construtivista, que processa informação, toma decisões, gera conhecimento prático, possui crenças e rotinas, que influenciam a sua atividade profissional.“Considera-se o professor com ‘um sujeito epistemológico’, capaz de gerar e contrastar teorias sobre a sua prática” (GARCÍA, 1999 p. 47).
Corroborando com essa idéia, Freire (2002 p.68) afirma: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.
Nesta direção, é preciso defender um processo de formação de professores em que as escolas sejam concebidas como uma instituição essencial para o desenvolvimento de uma democracia crítica e também para a defesa dos professores como intelectuais que combinam a reflexão e a prática, a serviço da educação dos estudantes para que sejam cidadãos reflexivos e ativos (GIROUX, 1997).

Fonte: 
http://www.paulofreire.org.br/pdf/comunicacoes_orais/REFLEX%C3%83O%20EM%20PAULO%20FREIREUMA%20CONTRIBUI%C3%87%C3%83O%20PARA%20A%20FORMA%C3%87%C3%83O%20CONTINUADA%20DE%20PROFESSORES.pdf, parte do artigo, de mesmo título, apresentado no V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22 de setembro de 2005.